Ortografia ou Oralidade?

    Caramba... mais de um ano sem escrever nada, nem aqui no blog e muito menos no antigo Twitter. Já diziam que "o tempo passa mais rápido conforme a idade", o que para mim tem se tornado uma realidade cada vez mais cruel. No início, escrever sobre capoeira era para organizar as ideias, exercitar a escrita, viajar na maionese e por aí vai. Agora sinto a necessidade de deixar tudo registrado, pois minha memória já não guarda as coisas como antes. Literalmente, coisa de velho.

     Hoje em dia é raro ouvir falar da COVID-19, saravá! Durante a pandemia, acho que o aprendizado online da capoeira não chegou a viralizar, porém, não seria exagero dizer que houve uma mudança de paradigma, normalizando aulas transmitidas ao vivo ou cursos por vídeos gravados de capoeira. Apesar disso, não há nada que se compare ao aprendizado presencial. Pude reconfirmar isso, com a passagem de muita gente por estas bandas novamente, trazendo e compartilhando seu conhecimento. Numa dessas ocasiões - graças ao imenso empenho e organização dos grupos - as seguintes palavras, apesar da minha memória debilitada, ficaram marcadas pela sua beleza e profundidade:

"A capoeira é uma entidade - acredite e saiba como cuidar dela."

    Sem dúvida, a capoeira é algo muito maior do que uma simples tela de computador consegue transmitir. Justamente por isso, as pessoas jamais vão parar de navegar na imensidão desse mar virtual sem fronteiras, quase sempre vagando sem rumo em busca da capoeira...

    Por outro lado, muitas pessoas têm procurado aprender a língua portuguesa, sua gramática, com a premissa de que para entender uma cultura, primeiro teríamos que entender seu idioma. Conseguir entender direto o ensinamento transmitido em português, com certeza, possibilitaria beber da fonte, sem precisar destilar a informação por um filtro. Porém, trabalhando com tradução, ou seja, por experiência própria, tenho segurança em dizer que a transmissão de ideias de um idioma para outro vai muito além da gramática. Com esse pensamento em mente, eis que vejo a postagem de um linguista português explicando:

"A ortografia não representa a oralidade. É apenas uma abstração."

    Será que os algoritmos agora conseguem entrar em sincronicidade, captando até o que as pessoas andam divagando, sem mesmo ter um smartphone por perto!? Arrisco afirmar que a gramática também não passa de uma abstração escrita da comunicação oral. O domínio da "norma culta" nunca irá substituir a transmissão oral e, principalmente, de "oitiva" de uma expressão cultural popular, que precisam ser vivenciados em seu respectivo ambiente social. Além disso, por mais bem escrito que esteja, vai depender da capacidade de interpretação de texto da pessoa que irá ler, além do conhecimento e da experiência que ela tem com a capoeira.

    Isso não significa desprezar o conhecimento escrito deixado por antigos mestres e estudiosos ou pesquisadores recentes. Muito pelo contrário. Por exemplo, logo no início do livro "Capoeira Angola", de mestre Pastinha, estão registrados os nomes e apelidos de muitos capoeiristas que já caíram no esquecimento ou são desconhecidos até mesmo pelos principais mestres da atualidade. Nos seus manuscritos, o "livro albo", o próprio título "Quando as pernas fazem mizerêr" seria o suficiente para confundir falantes nativos de português, antes mesmo de começarem a ler seu conteúdo. Já em "A Alegria da Capoeira", de mestre Canjiquinha, as notas preliminares deixam claro que não devemos nos enganar pelo "assassinato à gramática" e pelas "contradições" - logo de cara o livro afirma que a capoeira é assim mesmo:

"A capoeira é um jogo de duplo sentido. Tem duas faces quase nunca bem distintas."

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