O que é capoeira angola?
Só para não perder o embalo de postar meus devaneios, vou escrever sobre um tema que senti, recentemente, ser bem polêmico entre capoeiristas por estas bandas.
Navegando na internet já vi vários esboços de uma "árvore genealógica" da capoeira angola. Às vezes, encontro o nome de mestres que não conhecia, mas frequentemente faltam nomes bastante conhecidos, seja intencionalmente ou não. Além disso, na grande maioria das vezes, para não dizer sempre, capoeiristas de fora da Bahia são deixados de lado. Isso dá a impressão de que essas árvores genealógicas são criadas de propósito para delimitar quais são os "verdadeiros grupos" da linhagem da capoeira angola.
Mestre Pastinha, considerado patrono da capoeira angola, menciona os nomes de praticantes de capoeira angola do passado e atuais (de sua época, é claro) ao longo de quase uma página em seu livro "Capoeira Angola", sendo muitos já esquecidos ou desconhecidos, que também nunca constam nas tais árvores genealógicas. As mulheres, mestras, também raramente aparecem nessas genealogias, sem falar em figuras conhecidas da capoeira carioca, como o/a famoso/a Madame Satã, ainda mais por este/a ser homossexual. Claro, como se trata de linhagens, a preocupação talvez seja apenas com aquelas que deixaram discípulos até os dias de hoje. Por outro lado, muitas personalidades que ajudaram a forjar a capoeira ao longo do tempo acabam ficando de fora, ou seja, as árvores genealógicas não representam todos os protagonistas da capoeira angola.
Falando em linhagens, sinto que também há uma polêmica em relação à linhagem de mestre Canjiquinha, discípulo de mestre Aberrê, aluno de mestre Pastinha. Escrevendo assim, não há dúvidas de que ele seria discípulo de segunda geração de mestre Pastinha. Porém, mesmo em relação ao mestre Aberrê, já ouvi de muitos angoleiros dizerem que "não sabem quem é". No LP de mestre Pastinha (aos 24 min e 24 s do vídeo abaixo), ele próprio faz questão de mencionar que Aberrê foi seu aluno. Quanto a mestre Cangiquinha (sic.), seu nome também aparece no livro de mestre Pastinha, entre os capoeiristas atuais que ele tem o prazer de citar entre os que mais se destacam na prática da capoeira angola (p. 19). Apesar do próprio mestre Canjiquinha ter dito que a "capoeira é uma só" e se joga de acordo com o toque do berimbau, quem sou eu para contestar a autoridade de mestre Pastinha?
Às vezes, tudo parece uma questão de branding, para monopolizar uma tradição que se diferenciou para fazer contraponto com outros estilos modernos. Porém, nesse processo, muitos deixam de ter o pedigree reconhecido. Se for uma questão de nome, ou seja, de marca, que assim seja, desde que se esteja ciente de que isso também é tanto um negacionismo quanto um apagamento. É muito triste pensar que uma revisão histórica de uma cultura popular possa ser reduzida a uma narrativa hierárquica elitista.